Ontem estava a ler um romance e uma frase destacou-se, pelo contraste com o discurso dominante com que somos bombardeados/as, segundo o qual devemos tentar seguir os nossos sonhos, deixar o emprego e arriscar.
Não sei quanto a vós, mas quando leio estas mensagens, mais vezes me sinto derrotada que inspirada. É a o discurso dominante também é: não arriscas porque tens medo, porque não te empenhas, porque não és suficientemente bom/boa.
Para sua surpresa, também descobriu que era possível ser-se bom naquilo em que se tinha pouco interesse, tal como tinha sido possível ser-se mau em alguma coisa, fosse ela pintura ou poesia, pela qual a pessoa se interessasse muito.
E se, a nossa melhor versão é a de executar, da melhor forma possível, o trabalho que nos paga as contas, deixando as paixões para os momentos de lazer?
E se, sacrificarmo-nos pelos outros, mantendo uma profissão banal mas estável é a nossa melhor versão? Já repararam que a generalidade dos processos de desenvolvimento pessoal raramente abordam como nos damos aos outros / as nossas responsabilidades para com os outros?
E finalmente, será que as nossas paixões, depois de monetizadas, continuarão a fazer-nos felizes?
As últimas semanas não têm sido fáceis, no que respeita à gestão do tempo e emoções. Um episódio na saúde da minha mãe, que culminou nas urgências do hospital, levaram-me a algumas conclusões difíceis:
- está a ser cada vez mais difícil conciliar a vida profissional e familiar; adiar tarefas deixa de ser uma opção, quando não sabes como será o dia de amanhã;
- não tenho força física para pegar na minha mãe e isso assusta-me;
- é absurdo ir para o hospital com três carteiras: a minha, a dela a dos exames;
- para o hospital, a regra é vestuário confortável e o apresentável que se lixe;
Sinto-me a perder referências. Primeiro foi Pedro Rolo Duarte, editor do primeiro jornal que comecei a comprar com o meu dinheiro - O Independente, a minha entrada para a idade adulta.
Agora Zé Pedro, dos Xutos e Pontapés, que foi a minha casinha na adolescência.
Para mim, o Zé Pedro sempre foi/será o Homem do Leme:
Sozinho na noite um barco ruma para onde vai. Uma luz no escuro brilha a direito ofusca as demais.
E mais que uma onda, mais que uma maré... Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé... Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade, vai quem já nada teme, vai o homem do leme...
E uma vontade de rir nasce do fundo do ser. E uma vontade de ir, correr o mundo e partir, a vida é sempre a perder...
No fundo do mar jazem os outros, os que lá ficaram. Em dias cinzentos descanso eterno lá encontraram.
E mais que uma onda, mais que uma maré... Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé... Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade, vai quem já nada teme, vai o homem do leme...
E uma vontade de rir nasce do fundo do ser. E uma vontade de ir, correr o mundo e partir, a vida é sempre a perder...
No fundo horizonte sopra o murmúrio para onde vai. No fundo do tempo foge o futuro, é tarde demais...
E uma vontade de rir nasce do fundo do ser. E uma vontade de ir, correr o mundo e partir, a vida é sempre a perder...
Em ambos os obituários, o profissional é apenas uma introdução para louvar a atitude para com a vida de cada um, a forma como marcaram as vidas de com quem eles privaram.
Penso nisso com frequência, como guia das minhas acções. Quando morrer, como quero que se lembrem de mim?
Um dia disseram-me que uma mulher a sério usa maquilhagem. Mas existem vários discursos semelhantes: mulher a sério gosta de carteiras, roupas, sapatos...
Eu não tenho qualquer problema com essas coisas, mas irrita-me solenemente a contínua associação do feminismo a um conjunto de acessórios descartáveis.
E assim vos deixo com a minha irritação da semana.
Acho que corro o risco de criar alguma controversa, mas aqui vai.
O Cláudio Franco, sem saber, acabou por me deixar a pensar nos conceitos e nas ligações entre destralhar, minimalismo, abrandar, simplificar.
Quando comecei o blog, optei pelo "destralhar" (todo o tipo de tralhas - coisas e mente), porque não me revia na estética do minimalismo.
Ainda esta manhã passava por um blog lindíssimo e lia sobre abrandar. Mas olho para esse blog e são só imagens com divisões imaculadas, brancas, esteticamente perfeitas, falam do campo como um local idílico e fim em si mesmo.
Eu não me revejo nesse mundo. A minha casa não é assim, a minha vida não é assim e o quintal cá em casa não é assim.
Mas sabem que mais? A vida de muitas dessas pessoas, que utilizam essas imagens, também não é.
Fiz um exercício: peguei uma linda imagem de um blog sobre simplificar/abrandar e pesquisei-a no google - 22 resultados. Os primeiros resultados foram de blogs sobre minimalismo/simplificar de língua portuguesa.
Por vezes, o minimalismo também é uma imagem que nos querem vender. O problema é ser como as modelos cujas imagens alteram digitalmente - são imagens irrealistas, que têm como consequência fazerem-nos sentir imperfeitas.
Para mim, destralhar é igual a retirar o excesso da minha vida, seja ele em coisas materiais, seja em pessoas tóxicas, seja em ocupações de tempo que não merecem o meu tempo. Neste momento, esse caminho parece-me ser o que preciso de fazer.
Não sou perfeita e este blog é tudo menos perfeito. Mas pelo menos posso dizer que é verdadeiro.